"Vá buscar o funcionário a
quem compete me substituir." Essa foi a ordem de Deodoro da Fonseca, o
primeiro presidente da República, em 1891, mandando avisar a seu vice e
desafeto, Floriano Peixoto, que o cargo estava vago. Desde o nascimento da
República, em momentos de impasse, vices se ergueram do segundo plano para
assumir o poder. Em 1909, Nilo Peçanha assumiu depois da morte do presidente
Affonso Penna. Delfim Moreira, oitavo vice-presidente, tornou-se o terceiro a
assumir a Presidência, pelo falecimento de Rodrigues Alves, vítima da gripe
espanhola. Café Filho, pela morte de Getúlio Vargas, a caminho do impeachment.
Jango, pela renúncia de Jânio Quadros. A Junta Militar, pela doença do general
Costa e Silva. José Sarney, pela morte de Tancredo Neves, e Itamar Franco, pelo
impeachment de Fernando Collor.
Agora, Michel Temer, pelo sim,
pelo não, decidiu se preparar para a possibilidade, cada dia mais real, de
Dilma Rousseff ser afastada do poder. Em trinta anos de carreira política,
Temer se portou sempre com discrição, evitou polêmicas e mediu cuidadosamente
cada palavra dita, a fim de se equilibrar entre interesses diversos e muitas
vezes contraditórios. Aos olhos do público, tornou-se o retrato do político sem
sal. Nos bastidores, no entanto, consolidou-se como um especialista na arte de
trabalhar em silêncio, costurar acordos de coxia e escalar degraus na
hierarquia do poder. Mesmo sem despertar paixões, Temer conquistou três vezes a
presidência da Câmara dos Deputados e elegeu-se duas vezes vice-presidente da
República. Mesmo sem brilhar nas urnas, prepara-se agora para o maior desafio
de sua trajetória. Temer e caciques do PMDB, partido que ele preside, estão
certos de que Dilma Rousseff será cassada no começo do próximo ano. Em vez de
ajudá-la, querem substituí-la. E o plano, ousado, vai muito além da simples
intenção. Eles já têm em mãos uma tese jurídica para garantir a posse do vice,
uma proposta destinada a tirar a economia da UTI e até alianças fechadas no
Congresso.
A presidente Dilma Rousseff, como
se sabe, enfrenta um momento inédito de fragilidade. Não tem apoio popular nem
parlamentar, lida com um cenário de recessão e inflação e está ameaçada pela
possibilidade de abertura do processo de impeachment. Além disso, corre o risco
de ter o mandato cassado pela Justiça Eleitoral, caso seja acolhida a denúncia
de que abusou de poder político e econômico, incluindo dinheiro sujo do
petrolão, para se reeleger. É justamente na frente aberta no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) que Temer e o PMDB apostam para assumir o governo. As ações na
corte têm a chapa Dilma e Temer como alvo. A estratégia do peemedebista é
separar a análise das contas de campanha da presidente da análise das contas de
campanha do vice. A meta é imputar os crimes cometidos apenas à mandatária,
excluindo o vice de eventual punição, o que lhe daria o direito de ascender ao
cargo de presidente. Especialista em direito constitucional, Temer elaborou de
próprio punho um parecer preliminar que, em sua avaliação, permite ao TSE
desvincular as duas contas. O texto já foi apresentado a ministros de tribunais
superiores, juristas renomados e especialistas em direito eleitoral. A
receptividade animou Temer.
Com reportagem de Hugo Marques
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