O economista Angus Deaton durante
coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira, após o anúncio de seu nome
como vencedor do Prêmio Nobel de Economia 2015(Dominick Reuter/Reuters)
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Dinheiro traz felicidade? A
pergunta, combustível para algazarrentas conversas de mesa de bar, também tem
sido objeto de estudos de alguns dos cérebros mais brilhantes do mundo. O
professor Angus Deaton, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, anunciado
nesta segunda-feira como vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2015, é uma
das mentes que já se dedicaram à questão. A conclusão do professor: dinheiro
não necessariamente traz felicidade - mas a falta dele pode acentuar a angústia
de quem já não anda muito animado.
Deaton escreveu sobre o tema em
2010, em parceria com Daniel Kahneman - também ele vencedor do Nobel de
Economia, em 2002. No estudo publicado pela dupla, eles fizeram a correlação
entre o nível de renda de diferentes estratos da população americana e uma série
respostas sobre satisfação pessoal e bem-estar emocional colhidas entre 2008 e
2009 pelo Instituto Gallup. Ao longo desses dois anos, o instituto ouviu
diariamente um grupo de mais de mil pessoas que moram nos Estados Unidos. Ao
fim do levantamento, havia mais de 450 000 respostas para ser dissecadas.
Primeiro, escreveu Deaton, é
preciso mostrar que existe diferença entre bem-estar emocional e avaliação de
vida. Embora a diferença pareça ser apenas semântica, ela é fundamental para
dar profundidade ao debate - e a confusão entre os conceitos é a origem de
tantas pesquisas inócuas sobre o tema, afirma o professor. Bem-estar refere-se
a sensações do cotidiano, como alegria, tristeza, raiva e estresse, e a
avaliação de vida é a leitura "de fundo" que o indivíduo faz sobre si
mesmo. "Como você estava ontem?" é uma pergunta sobre bem-estar.
"No geral, você está satisfeito com a vida que leva?" trata de
avaliação de vida.
Ao separar esses dois grupos de
respostas e cruzar os dados com os diferentes níveis de renda, Deaton e
Kahneman descobriram que pessoas que ganham bons salários aparecem com mais
frequência entre as que têm uma avaliação positiva sobre suas vidas - mas não
necessariamente se dizem felizes. "Nós concluímos", diz a pesquisa,
"que renda alta compra satisfação de vida, mas não felicidade." O que
não quer dizer que o dinheiro não seja um bom estimulante para o estado de
espírito: na pesquisa, pessoas com renda muito baixa foram as que disseram com
mais frequência estar insatisfeitas tanto com seu cotidiano quanto com sua vida
em linhas mais gerais.
Deaton e Kahneman escreveram
ainda que o grau de bem-estar é maior quanto mais alta é a renda, segundo as
respostas da pesquisa, mas, a partir de uma renda de 75 mil dólares anuais
(montante 25% maior que a renda per capita americana, que é de 55 mil dólares),
o teor das respostas praticamente não muda. Em outras palavras: aumentar a
renda indefinidamente não aumenta a felicidade indefinidamente.
O tema do estudo publicado em
2010 pode soar demasiadamente "mundano", mas isso não diminui sua
relevância. Ao dar ênfase à diferenciação de dois "tipos" de
felicidade, os autores ajudam a dar norte para pesquisas de amostragem sobre
renda, consumo e saúde pública, por exemplo, o que pode abrir novas
perspectivas para a definição de políticas públicas. "Se ambos os aspectos
de bem-estar subjetivo são considerados importantes, a separação de suas
medidas é uma vantagem", dizem os economistas.
Ênfase aos desiguais - É claro
que não foi um artigo de cinco páginas, com a resposta (que não é definitiva,
salientaram os autores) a uma pergunta tão prosaica, que deu ao escocês Angus
Deaton o Nobel de Economia de 2015. Mas esse artigo é uma amostra dos temas
abordados e também do modus operandi do professor: a valorização da voz dos
indivíduos em detrimento de amostragens sem rosto, a recusa a mensurar
bem-estar apenas com base exclusivamente em consumo - uma prática comum entre
acadêmicos na atualidade - e o esforço de cruzar teorias e dados para encontrar
onde está o ponto cego das conclusões de seus colegas.
A primeira grande contribuição de
Deaton à literatura acadêmica foi a de atestar que as medidas agregadas de
consumo nacional não são a previsão exata do comportamento de cada indivíduo.
Embora isso soe óbvio hoje, era um tema controverso quando Deaton começou a se
debruçar sobre ele, no começo da década de 70.
Ao se dedicar ao estudo da
diferença entre os indivíduos - o que exige a criação de modelos mais precisos
para estudar o conjunto da população -, Deaton acabou seguindo um caminho
correlato: o de estudar o comportamento dos consumidores. Dessa linha de estudo
surgiu o "Paradoxo de Deaton", segundo o qual o consumo varia muito
lentamente, mesmo com variações bruscas de renda.
Por se debruçar sobre a
identificação de desigualdades, Deaton acabou enveredando para o estudo dos
mais desiguais entre os desiguais: as economias pobres e emergentes. Nessa
seara, o Nobel de Economia de 2015 tem tentado entender a origem e as
consequências da pobreza dos países e apontar como são imprecisos os critérios
de mensuração de consumo e pobreza adotados por acadêmicos e organismos
internacionais, como o Banco Mundial. A Índia tem sido um objeto de particular
atenção de Deaton. Mais uma vez, não parece ser casualidade: a Índia é o país mais
desigual do G-20, segundo a Organização das Nações Unidas, e um dos mais
desiguais do mundo.
Da Veja
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