Um mosquito ameaça nocautear a
orgulhosa civilização tecnológica do século XXI. Os autores de ficção
imaginaram o mundo de joelhos diante de terroristas, de invasores do espaço,
devolvido à Idade da Pedra por uma guerra nuclear total e até mesmo acossado
pela progressão incontida de algum vírus misterioso... mas submetido a um
mosquito? Isso não. Isso seria enredo de filme de terror de um tempo remoto da
humanidade. No começo do século passado, a malária, transmitida por mosquitos,
mandou para o hospital dez de cada 100 trabalhadores encarregados da construção
do Canal do Panamá - e só oito saíam de lá com vida.
Agora, mais de 100 anos depois,
um outro mosquito está levando o presidente americano Barack Obama a convocar
reuniões de emergência na Casa Branca, em Washington, e, do lado de lá do
oceano, tirando do sério outro senhor do mundo, o russo Vladimir Putin. "E
agora nos vem uma porcaria da América Latina", disse Putin depois de ser
informado sobre o potencial de destruição dos vírus transportados pelo mosquito
Aedes aegypti. Obama exigiu de seus sábios a produção imediata de uma vacina
contra o zika, o vírus mais temido transmitido pelo Aedes aegypti. Ouviu deles
que, na melhor das hipóteses, uma vacina contra o zika levará três anos para
estar em condições de ser usada em larga escala.
A semana culminou com um alerta
da chinesa Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde
(OMS): "O explosivo avanço do zika vírus é motivo de preocupação,
especialmente diante do possível elo entre a infecção durante a gravidez e o nascimento
de bebês com microcefalia". Os governos de El Salvador, Colômbia, Jamaica,
República Dominicana e Equador recomendaram às mulheres evitar engravidar até
2018. Marcelo Castro, ministro da Saúde do Brasil, foi bombardeado por se sair
com sugestão semelhante há algumas semanas. Disse ele: "Torço para que as
mulheres peguem zika antes da idade fértil". Uma vez contaminado pelo
zika, o organismo é imunizado contra novas infecções. É uma vacina natural.
Como reconheceu a presidente Dilma Rousseff: "Estamos perdendo a luta
contra o mosquito".
Em um mundo em que os avanços
tecnológicos da medicina estão fazendo com que o número de pessoas que chegam
com saúde aos 100 anos cresça rapidamente, é melancólico que a imunização
contra o zika só esteja ao alcance por meio de uma pajelança, a exposição voluntária
à picada do mosquito transmissor do vírus. Não é muito ousada a ideia de que em
breve, nas avenidas elegantes das capitais mundiais, serão abertas clínicas de
imunização contra o zika com suas criações de Aedes aegypti portadores do
vírus. Nas luxuosas salas de recepção, mulheres jovens que planejam engravidar
teclam em seus smartphones de última geração, enquanto esperam a vez de
oferecer o braço para a picada do Aedes aegypti. Não poderá haver imagem mais
dramática da rendição da humanidade ao inseto que ela, não conseguindo
erradicá-lo, passar a criá-lo em cativeiro. O mosquito venceu.
Antes da vitória final, é
provável que o mosquito possa saborear alguns triunfos localizados. Na mira do
Aedes aegypti está a Olimpíada do Rio de Janeiro. Seus organizadores, sem outra
iniciativa mais efetiva, estão fazendo barricadas atrás da retórica, lembrando
que os Jogos serão realizados em agosto, inverno no Brasil, quando o clima mais
seco e menos quente inibe a presença do mosquito. VEJA.com teve acesso com
exclusividade ao memorando do Comitê Olímpico Internacional (COI), distribuído
às confederações nacionais, em que reafirma a adequação do Rio de Janeiro para
sediar os Jogos, desde que os visitantes usem "camisa de mangas compridas
e calça", especialmente nos períodos da manhã e da tarde. Para os atletas,
essa recomendação é inviável e, portanto, inútil. Para quem vai apenas assistir
às provas e aos jogos, é possível segui-la, ainda que com grande desconforto.
Mesmo no inverno, com média história de 24 graus, a temperatura no Rio de
Janeiro em agosto supera facilmente os 30 graus. No ano passado, houve dias com
34 graus e um dia com inacreditáveis 37 graus. O COI recomenda também às
mulheres que pretendem ficar grávidas "discutir com o médico seus planos
de viagem, para avaliar o risco de infecção". Até novembro do ano passado,
o zika, aerotransportado pelo mosquito, parecia ser um risco apenas para a
população do Brasil. Na última semana, como mostram as manchetes dos principais
jornais das grandes capitais mundiais, o zika atingiu o status de ameaça
planetária real e presente - posição que já foi ocupada no passado pela aids,
pela doença da vaca louca, pela gripe aviária e pelo ebola.
A mortalidade do zika vírus é
pequena. Ele só mata pessoas infectadas que já estiverem bastante debilitadas
por outras moléstias graves.Por que então o mundo está em guerra total contra o
mosquito que o transmite? A resposta é encontrada na correlação existente entre
a infecção pelo zika e o nascimento de bebês com sérios defeitos,
principalmente a microcefalia, a atrofia cerebral. Do ponto de vista
rigorosamente científico, não existem evidências irrefutáveis de que o zika
vírus tenha sido a causa única de ocorrências de microcefalia, mesmo quando sua
presença foi detectada ao mesmo tempo na gestante e no feto. Tanto a infecção
pelo zika quanto a microcefalia são fenômenos imensamente variáveis. A infecção
pelo zika em uma mulher grávida pode provocar as esperadas manchas vermelhas na
pele, febre baixa e dor de cabeça e, mesmo assim, ser branda, sem produzir
danos neurológicos no bebê em gestação. Em casos assintomáticos, mesmo que a
própria gestante não saiba que foi infectada pelo mosquito, o zika pode atuar
agressivamente no processo de gestação. A microcefalia, por sua vez, é uma
condição com inúmeras causas e sintomas. Ela pode ser motivada por problemas
genéticos, por uso de drogas ou álcool pela gestante, por exposição a
substâncias químicas como o mercúrio, por outras infecções (rubéola,
citomegalovírus, varicela) e até por uma dieta pobre em nutrientes e vitaminas
durante a gravidez. A microcefalia pode ser fatal para o recém-nascido, pode
impedir definitivamente o desenvolvimento cerebral ou apenas atrasá-lo. Diz
Bruce Aylward, chefe do Departamento de Surtos da OMS: "O que temos hoje é
a suspeita de associação entre o zika e a microcefalia, não a comprovação de
que esse vírus é causa da condição".
Um famoso estudo apoiado pelo
Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, divulgado em janeiro
passado, e que norteia a linha de conduta mundial em torno do zika, chega perto
de estabelecer a relação de causalidade entre a infecção viral e a
microcefalia. O trabalho, porém, não fecha questão e recomenda a continuação
das pesquisas a respeito. Diz ele: "São necessários mais estudos para
confirmar a associação entre a microcefalia e o vírus zika durante a gestação e
compreender outras consequências da gravidez que possam ser relacionadas à
infecção". O trabalho teve a participação de pesquisadores brasileiros
como os da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Fundação Oswaldo Cruz,
do Rio de Janeiro, e da Universidade Estadual de Campinas. Segundo o estudo,
foi encontrado material genético do zika em duas amostras do líquido amniótico
de mulheres grávidas de fetos microcéfalos e no tecido cerebral de outras duas
crianças com microcefalia, que morreram logo depois do nascimento. As mães,
brasileiras, contaram ter tido sintomas comumente relacionados à infecção pelo
zika vírus durante a gravidez. Poucas semanas antes desse levantamento, o
Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, havia confirmado a capacidade do
zika de atravessar a placenta durante a gestação.
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