Esqueça o que você se acostumou a
ver em eleições nos últimos 30 anos no Brasil: políticos fazendo campanha, com
um número de cinco dígitos, pedindo o seu voto para uma das 513 cadeiras na
Câmara dos Deputados. Se depender da posição dos principais partidos e do
relator da comissão especial para a reforma política, muito em breve estaremos
em um novo sistema, o voto em lista fechada, bem diferente do que é praticado
hoje no Brasil.
Responsável por elaborar o
parecer sobre a alteração no sistema político brasileiro, o deputado federal
Vicente Cândido (PT-SP) declarou que vai defender esta proposta para as
eleições de 2018 e 2022 no país. Seria uma etapa de transição, na visão dele,
até chegarmos, em 2026, ao voto distrital misto, o mesmo que é executado hoje
na Alemanha.
Hoje, o eleitor escolhe um
candidato e o seu voto vai para o “bolo” de determinado partido ou coligação.
Ao final, esse bolo representará um número de cadeiras, que serão ocupadas
pelos mais votados de cada legenda. Na proposta em discussão, a lógica
permanece. A diferença principal é que o eleitor vai às urnas apenas para votar
em um partido – ao final, a votação em cada partido definirá o número de
lugares na Câmara a que ele terá direito. Os nomes que ocuparão esses lugares
são definidos pelas legendas em uma lista, formato que fortalece o poder dos
partidos e seus dirigentes.
No Brasil, o sistema seria, como
defende o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com a lista
pré-ordenada. Ou seja, os partidos definiriam também a ordem em que os
candidatos aparecem. Se determinada legenda apresenta dez candidatos e obtém,
nas urnas, sete vagas, ficam eleitos os primeiros indicados pelas direções
partidárias. Para os críticos, a proposta faz com que essas direções se tornem
“superpoderosas”, escolhendo candidatos pelo eleitor e servindo como um
mecanismo de manutenção dos mesmos nomes.
O deputado Vicente Cândido
discorda. Para ele, o problema não é a lista fechada, “mas a democracia interna
dos partidos”. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro
Gilmar Mendes, concorda, argumentando que o sistema atual traz a falsa sensação
de escolha. “Dizer que o sistema eleitoral de lista aberta é um sistema em que
a gente vota e escolhe o candidato é uma enganação. Nós votamos num cabeça de
chapa e elegemos alguém que não tem voto sequer”.
Efeito Tiririca
Para exemplificar, o presidente
do TSE citou um dos casos mais famosos dos ditos “puxadores de voto”, o do
humorista Tiririca. Eleito em 2010 com 1,3 milhão de votos, ele garantiu a
eleição de outros três parlamentares que não haviam alcançado a votação mínima,
entre eles Valdemar Costa Neto, à época réu no Mensalão. “Votamos em Tiririca e
elegemos Protógenes (Queiroz, ex-delegado da PF). Votamos em Tiririca e
elegemos Valdemar da Costa Neto.”
O novo sistema teria a qualidade
de baratear as campanhas, segundo Cândido. Hoje, os candidatos de um
determinado partido, além de competir com os de outros partidos, também
competem com os próprios correligionários, o que faz com que o esforço,
incluindo o financeiro, seja mais elevado. Ele acredita que a adoção do
sistema, usado na Espanha e em Portugal, por duas eleições, seria o tempo ideal
para que consigamos chegar ao modelo alemão – que ele considera o mais
avançado.
Voto proporcional, com lista aberta
É o sistema em vigor no Brasil.
Como funciona: o eleitor escolhe
um determinado candidato e vota especificamente nele. Os votos são somados e
garantem um determinado número de cadeiras para o partido ou a coligação, que
são distribuídas entre os mais votados no conjunto.
Contra: é considerado caro,
porque promove uma disputa de “todos contra todos”, permite a existência de
“puxadores de voto”, que ajudam a eleger políticos com menos apoio popular que
outros que ficam de fora, favorece o “culto à personalidade”, a ideia de que se
vota em uma pessoa e não em determinado conjunto de ideias que ela colocaria em
prática se eleita.
A favor: o sistema considera que candidatos do mesmo
partido ou coligação têm interesses semelhantes e garante a cada conjunto de
ideias o espaço que elas ocupam na sociedade. Com a lista aberta, as ideias são
representadas pelos seus expoentes mais populares.
Voto proporcional, com lista fechada
É o sistema em vigor em países
europeus, como Portugal e Espanha.
Como funciona: o eleitor escolhe
um partido político apenas. Os votos são somados e garantem um determinado
número de cadeiras para o partido ou coligação, distribuídas entre políticos
previamente definidos pela legenda em uma lista. O que está sendo defendido por
políticos como Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o modelo mais tradicional, no qual a
ordem é pré-definida antes e são escolhidos os candidatos aos quais o partido
político deu preferência.
Contra: dá todo o poder de
decisão aos partidos, que passariam a escolher pelo eleitor os que devem ser
eleitos, podendo beneficiar candidatos com acusações na Justiça, que teriam
mais dificuldade de obter o voto popular. O sistema também cria um entrave à
renovação na política, uma vez que as cúpulas dos partidos tenderiam a ser
formadas por aqueles que já estão no poder – e que, por consequência,
privilegiariam na lista os atuais políticos.
A favor: é mais barato, uma vez
que os candidatos não disputam mais contra outros do seu partido. Força a
evolução dos partidos, que reduziriam em quantidade e ficariam coesos, com mais
identidade ideológica, uma vez que são obrigados a criar um discurso e um
conjunto de propostas para buscar o voto do eleitor. A lista fechada também
permite que sejam feitas leis complementares que garantam cotas – um
determinado número de mulheres – de modo mais eficiente que o atual, que
depende dos resultados eleitorais dessas candidaturas.
Voto distrital puro
É o sistema em vigor nos Estados
Unidos e no Reino Unido.
Como funciona: se são 513 vagas
na Câmara dos Deputados, serão 513 distritos eleitorais, que correspondem a uma
determinada região. A eleição para o Legislativo passa a ser semelhante à do
Executivo: cada partido oferece um nome para a disputa e o eleitor escolhe
entre as opções disponíveis. No final, o parlamentar acaba sendo o representante
de uma região (como um conjunto de bairros de São Paulo, por exemplo) no
Legislativo federal.
Contra: o sistema asfixiaria as
minorias, como defensores das pessoas com deficiência, por exemplo.
Considerando que dificilmente estas pessoas serão a maioria em uma determinada
região, um ativista que se proponha a defender exclusivamente a causa teria a
tendência a não ser eleito em nenhum distrito do país. O mesmo para outras
causas específicas, como ambientalistas e religiosos. Não resolve o problema do
“culto à personalidade”, uma vez que um líder local, como um comerciante ou um
empresário, não se precisaria se comprometer com causas nacionais ou partidos
para se eleger – e, no parlamento federal, teria de se posicionar sobre esses
temas.
A favor: é o sistema mais barato
de todos, restringe as campanhas parlamentares ao universo regional, uma vez
que o candidato disputa exclusivamente os votos daqueles que vivem em seu
distrito, diminuindo o universo de eleitores a serem conquistados. O voto distrital
puro também é visto como uma aproximação entre os eleitores e o Congresso
Nacional, já que cada parlamentar que ali está veio de uma determinada região
do país. Não seria possível, portanto, que em um determinado raio de distância
não haja nenhum parlamentar próximo a você ou a seu bairro, por exemplo.
Voto distrital misto
É o sistema em vigor na Alemanha
Como funciona: é uma mistura dos
dois sistemas anteriores. O eleitor vai às urnas duas vezes. Em uma, escolhe um
partido. Na outra, escolhe um candidato. As cadeiras são divididas. Metade é
distribuída entre os nomes presentes nas listas dos partidos, enquanto a outra
metade vai para os distritos, que, por serem em menor número, comportam mais
eleitores.
Contra: sofre críticas dos
defensores do voto distrital puro e do proporcional de lista fechada. Para os
primeiros, ter só a metade das cadeiras ocupadas pelo voto distrital anula o
efeito de aproximação com o eleitor, uma vez que os distritos – principalmente
em um país continental como o Brasil – ficam com um número muito grande de
pessoas, permanecendo distantes dos candidatos. Para os favoráveis à lista
fechada, enfraquece o compromisso ideológico e a coesão dos candidatos com as
legendas.
A favor: mesmo com os distritos
maiores, o sistema ainda garante que o Parlamento esteja mais próximo da
população, trazendo demandas regionais para o debate federal, sem comprometer
as ideologias e as causas não-majoritárias, uma vez que o voto pulverizado em
uma causa, representada por partido, pode garantir a eleição de um parlamentar.
O voto espalhado em todo um estado em uma legenda que defenda o ambientalismo, por
exemplo, permitiria a eleição de um deputado. Outro benefício da lista que
permanece é a possibilidade de políticas que reduzam desigualdades.
(Com Estadão Conteúdo e Agência
Brasil)
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