O anúncio de que algumas
operadoras de internet fixa passariam a adotar o sistema de franquia de dados
para os serviços de internet banda larga provocou uma onda de descontentamento
entre os consumidores de todo o país. O sistema, que é comum nos planos de
internet para celular, prevê que a velocidade da internet seja cortada ou
reduzida ao atingir o limite de dados contratados no plano ou a cobrança pelos
dados excedentes.
A medida, que já vinha sendo
praticada por outras operadoras como a NET e a Oi, com aval da Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel), repercutiu principalmente após a empresa de
telefonia Vivo ter comunicado que para os contratos feitos a partir de 5 de
fevereiro já estariam valendo as novas regras de franquia de dados. Desde
então, ativistas digitais, entidades de defesa do consumidor, a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e até mesmo setores do governo e a presidenta Dilma
Rousseff se mostraram contrários à medida, de modo que a Anatel decidiu, nesta
sexta-feira (22), proibir a adoção dessa prática pelas operadoras de internet
banda larga por tempo indeterminado. Antes, a agência havia feito essa
proibição às operadoras pelo prazo de 90 dias.
Diante de toda essa polêmica, o
Portal EBC preparou um guia rápido para você entender o histórico e o status da
discussão em torno da questão da limitação da internet fixa. Confira abaixo.
Da internet móvel…
As operadoras de telefonia móvel,
que em grande parte são as mesmas que prestam o serviço de oferta de internet
fixa, no começo (checar ano) também ofereciam navegação ilimitada de internet
no celular. Com o crescimento da demanda, implementaram os planos com redução
da velocidade da internet no celular quando o usuário atingia o limite de dados
contratados e, no final de 2014, acabaram com os planos de navegação reduzida,
cortando o sinal de internet e forçando o consumidor a adquirir pacotes avulsos
ou pagar excedente ao ultrapassar a franquia de dados contratada.
As operadoras alegaram que a
motivação da implementação da redução da velocidade da internet móvel, e depois
de seu fim, era o de oferecer melhores condições de uso e de expandir a rede de
serviço. E, apesar dos apelos das entidades defesa do consumidor, as empresas
conseguiram efetivar as mudanças na comercialização dos planos de internet
móvel.
…para a internet fixa
Ao contrário da telefonia fixa,
que está em pleno declínio, a de internet fixa banda larga cresce no país, só
perdendo para a telefonia móvel. Segundo dados do Suplemento de Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) 2014 divulgado no início de abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), o uso da banda larga móvel, presente em 62,8% dos
domicílios com internet, aumentou 19,3 pontos percentuais em 2014 na comparação
com 2013. A expectativa é de que esse percentual tenha aumentado ainda mais no
ano passado.
A demanda crescente é, porém, um
problema para as operadoras de internet fixa. As empresas afirmam que, para
garantir a expansão e a qualidade da rede, o modelo de oferta de internet fixa
ilimitada torna o negócio insustentável. Debate realizado em novembro de 2014
pelo conselho consultivo da Anatel já antecipava a tendência de as operadoras
passarem a adotar o limite de tráfego também na banda larga fixa em decorrência
do que se chama, no jargão do setor, efeito “boca de jacaré”, em que o tráfego
de dados cresce exponencialmente, enquanto que a receita tem um crescimento
muito menor, resultando em duas linhas que se afastam gradativamente.
Apesar de operadoras como a Oi e
NET já virem adotando o sistema de franquias de dados, o anúncio de que a
operadora Vivo, que comercializa o serviço de internet banda larga Speedy,
passaria a adotar a partir de fevereiro o sistema de franquia dados, foi o que
levou usuários a protestarem e se mobilizarem nas redes sociais. Uma petição
on-line no site da Avaaz contra o limite na franquia de dados da banda larga
fixa já está próxima de alcançar 700 mil assinaturas e a página do Movimento
Internet Sem Limites já alcançou mais de 260 mil seguidores em sua página do
Facebook. A empresa esclareceu que a medida valeria apenas para os contratos
realizados a partir de fevereiro e que “não haverá cobrança pelo excedente do
uso de dados até 31 de dezembro”.
Limitar a internet é ilegal?
Segundo a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), as regras do setor permitem às empresas adotar
várias modalidades de franquias e de cobranças, mas o Regulamento Geral de
Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações determina que qualquer
alteração em planos de serviços e ofertas deve ser comunicada ao usuário, pela
prestadora, com antecedência mínima de 30 dias.
“A Anatel não proíbe esse modelo
de negócios, que haja cobrança adicional tanto pela velocidade como pelos
dados. Acreditamos que esse é um pilar importante do sistema, é importante que
haja certas garantias para que não haja desestímulo aos investimentos, já que
não podemos imaginar um serviço sempre ilimitado”, disse recentemente o
presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, à
Agência Brasil.
No entanto, a medida foi
questionada por instituições de defesa do consumidor, como o Idec, que
ingressou com uma Ação Civil Pública contra os maiores provedores de internet
do Brasil para barrar a fixação de limite de tráfego de dados nos serviços de
banda larga fixa. A entidade considera que a estratégia das empresas ao limitar
a navegação na internet fixa força os usuários a reduzir o uso de serviços de
streaming, como Netflix, que consomem muitos dados.
A Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) também entrou na briga e enviou ofício questionando a Anatel sobre a
adoção da medida. Para a OAB, a medida que permite às empresas de internet
banda larga limitarem o serviço desrespeita o Código de Defesa do Consumidor e
o Marco Civil da Internet, que prevê o direito de não suspensão da internet, a
não ser por débito decorrente da utilização, e a neutralidade da rede, que veda
que os prestadores de serviço de conexão à internet tenham conhecimento sobre o
tipo de dado utilizado pelo usuário, ou privilegiem um tipo de dado em
detrimento de outro, proibindo a cobrança de modo diferenciado pelo tipo de
consumo feito. Inclusive a OAB estuda pedir também o fim dos limites de
franquia na rede de telefonia celular.
Em posição espinhosa e sendo
cobrada pelo governo, a agência resolveu nesta sexta-feira (22), proibir, por
tempo indeterminado, que as operadoras de telefonia reduzam a velocidade da
internet banda larga fixa de seus clientes. A proibição, que antes tinha prazo
de 90 dias, agora vai vigorar até que a Anatel analise a questão da limitação
de franquias de banda larga após reclamações de consumidores.
A nova proibição prevê a
proibição de redução de velocidade, suspensão do serviço ou cobrança pelo
tráfego excedente nos casos em que os consumidores utilizarem toda a franquia
contratada, mesmo que essas cláusulas já estejam previstas em contrato de
adesão ou plano de serviço.
Franquia de dados: como funciona
No plano de franquia de dados, ao
contrário de decidir pela velocidade de navegação na internet, o consumidor
passa também a considerar o volume de dados que pretende utilizar durante o
mês. À medida que o usuário navega pela internet, os dados que utiliza para
fazer esse tráfego vão sendo calculados. Ao atingir o limite de dados do plano
contratado, a operadora poderá reduzir a velocidade ou até mesmo cancelar a
conexão até o final do mês.
Em um plano de 5 Mbps, o limite
de dados para navegar pela internet ficaria entre 50 GB e 60 GB por mês,
variando entre as operadoras. Com isso, seria possível, por exemplo, ver cerca
de dois filmes de duas horas em HD na Netflix por semana. Já nos planos de 15
Mbps, o usuário teria direito a uma franquia mensal entre 80 GB e 100 GB, o que
permitiria assistir a uma média de quatro filmes de duas horas em HD por semana
no provedor de filmes por streaming.
O que pode vir pela frente
O governo federal pretende
atualizar a Lei Geral de Telecomunicações. Em vigor desde 1997, quando a
internet ainda engatinhava no país, a lei centrava-se no modelo de expansão da
telefonia fixa. Hoje, quase 20 anos depois, a realidade é outra. A facilidade
de comunicação trazida pelos aparelhos celulares e pela internet móvel e banda
larga, tornaram a telefonia fixa um serviço ultrapassado. A proposta
apresentada no início do mês pelo Ministério das Comunicações (MiniCom) busca
fazer da banda larga o centro das políticas públicas do setor.
O ministério também publicou
portaria que estabelece as diretrizes que a Anatel deverá seguir na revisão do
atual modelo regulatório dos serviços de telecomunicações. De acordo com o
documento, o novo modelo deve priorizar a conexão de alta velocidade. Além
disso, a mudança do atual modelo de concessão do serviço de telefonia fixa
estará condicionada ao atendimento de metas relativas à expansão do serviço de
banda larga, como a oferta da internet em áreas economicamente menos atraentes
para as empresas.
Mas o debate não é simples.
Entram em discussão a migração do regime público para o privado, em que as
empresas que são concessionárias de serviço têm uma série de controles que
deixarão de existir, sem ter que cumprir metas criadas pelo governo, como
acontece com as empresas no regime privado que apenas necessitam de autorização
para funcionarem; o fim das concessões da telefonia fixa em 2025; a questão das
chamadas empresas Over The Top, que funcionam utilizando as redes de empresas
concessionárias ou autorizadas, como os serviços de transmissão de vídeos pela
internet, como a Netflix e o Spotify, e os aplicativos de mensagens, como o
WhatsApp, que recebem muitas queixas das empresas do setor. Esta última pode
até não aparecer nas discussões, pois o entendimento do governo é que esses
serviços não constituem empresas de telecomunicações, mas de aplicações que
funcionam em cima dos serviços de telecomunicações.
Paralelamente a isso, os
representantes do Legislativo também se debruçam sobre a questão da oferta de
serviços de internet banda larga. Na Câmara dos Deputados, parlamentares
criticaram a adoção da franquia limitada de internet banda larga e o líder do
PSDB, Antonio Imbassahy (BA), chegou a apresentar um projeto de lei (5050/16)
que proíbe a inclusão de franquia de consumo nos contratos de prestação de serviços
de comunicação multimídia.
No Senado, as comissões de
Serviços de Infraestrutura (CI); de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e
Fiscalização e Controle (CMA); e de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação
e Informática (CCT) promovem audiências públicas para discutir as providências
que devem ser tomadas para evitar os problemas apontados pelos consumidores.
A Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa (CDH) do Senado deve examinar sugestão legislativa,
recebida por meio do Portal e-Cidadania, que proíba “expressamente, o corte ou
a diminuição da velocidade por consumo de dados nos serviços de internet de
Banda Larga Fixa, tanto nos novos quanto nos antigos contratos” e que se fixe
multa, em benefício do consumidor lesado, quando houver o descumprimento da
proibição.
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